VAMPIROS À MESA DOS AFRICANOS

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) começam os seus Encontros Anuais segunda-feira em Marraquexe, Marrocos, marcados pelo regresso a África, um continente em dificuldades que contrastam com a “notável resiliência” da economia mundial.

No discurso de arranque dos trabalhos, na semana passada em Abidjan, a directora executiva do FMI, Kristalina Giorgieva, disse que “a fragmentação económica ameaça minar ainda mais as perspectivas de crescimento, especialmente para as economias emergentes e em desenvolvimento, incluindo as de África”, mas salientou a “notável resiliência” da economia mundial, que disse estar melhor que há um ano.

Nas reuniões que assinalam o regresso a África, depois dos Encontros no Quénia, em 1973, o FMI e o BM deverão apresentar uma revisão em baixa do crescimento para o continente, com o Banco Mundial a ter apresentado já a sua estimativa de crescimento para a região, que abranda para 2,5% este ano, depois de crescimentos de 4,8% em 2021 e 3,8% no ano passado.

“A crescente instabilidade, o fraco crescimento nas maiores economias da região e a permanente incerteza na economia global estão a prejudicar as perspectivas de crescimento da região”, escrevem os economistas do Banco no relatório Pulsar de África.

Sob o signo do abrandamento económico e das preocupações com o sobreendividamento de cerca de metade dos países africanos, o envolvimento do sector privado no financiamento do desenvolvimento económico e as críticas sobre a lentidão do progresso de reforma institucional do próprio FMI, este regressa a África num contexto de transição energética, sobre a qual África diz estar a ser prejudicada, não só por estar a suportar o maior fardo da descarbonização das economias, como pela falta de voz no próprio Fundo.

A principal novidade para as duas instituições poderá estar na distribuição das quotas, modificadas a favor dos países de baixo rendimento ou emergentes, o que aumentaria as suas possibilidades de contrair maiores empréstimos junto do BM e do FMI, escreve a agência francesa de notícias, a France-Presse (AFP), vincando que as discussões dificilmente terão resultados práticos já na próxima semana.

Na segunda-feira, o dia será marcado por uma sessão sobre empresárias africanas e outra que incide sobre a Guiné-Bissau e como melhorar a gestão da despesa com os funcionários públicos através do recurso ao ‘blockchain’, ou seja, a uma base de dados que liga vários departamentos e está acessível em tempo real.

Na terça-feira será lançado o relatório sobre as Perspectivas Económicas Mundiais, no mesmo dia em que é apresentado o documento sobre a Estabilidade Financeira Global e é feito um debate sobre o combate à pobreza.

Ainda na terça-feira, a Guiné-Bissau torna a estar em destaque, com um debate sobre a digitalização da gestão da administração pública.

No dia seguinte é feita a abertura oficial dos Encontros do Banco Mundial, com a conferência de imprensa do presidente, Ajay Banga, e é apresentado o ‘Fiscal Monitor’, a cargo do antigo ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, e director do departamento, havendo ainda lugar a um debate sobre o sobreendividamento nos países mais desfavorecidos.

Na quinta-feira, a questão da dívida estará em lugar de destaque, com um debate que, para além dos líderes do FMI e do BM, terá também a presença do ministro das Finanças da Zâmbia, o primeiro país africano a entrar em Incumprimento Financeiro a seguir à pandemia e a solicitar, há mais de dois anos, uma reestruturação da dívida, num processo que ainda decorre.

Na sexta-feira são apresentados os relatórios regionais sobre as economias europeias e africanas, e a ministra das Finanças de Angola participa num debate sobre a construção de resiliência económica e os desafios para os mercados emergentes, antes de terminarem os Encontros, no sábado, com o anúncio de quem vai receber as reuniões de 2026.

FMI (EM ÁFRICA) TIRA AOS POBRES PARA DAR AOS RICOS

O FMI diz que trabalha para alcançar um crescimento sustentável e prosperidade para todos os seus 190 países membros. Faz isso, afirma, apoiando políticas económicas que promovem a estabilidade financeira e a cooperação monetária, essenciais para aumentar a produtividade, a geração de empregos e o bem-estar económico.

O FMI foi criado em 1944, após a chamada Grande Depressão da década de 1930. Quarenta e quatro países membros fundadores procuraram construir uma estrutura para a cooperação económica internacional. Hoje, os seus membros abrangem 190 países, com funcionários provenientes de 150 nações.

O FMI prevê que o crescimento na África Subsariana abrande para 3,6% dado que a região foi afectada por uma “grande contracção do financiamento” associada à escassez de ajuda ao desenvolvimento e a um acesso cada vez mais limitado ao financiamento privado. Este é o segundo ano consecutivo de diminuição agregada do crescimento na África Subsariana.

Se não forem tomadas medidas, esta escassez de financiamento pode forçar os países a reduzir ainda mais os recursos orçamentais destinados ao desenvolvimento crítico em domínios como a saúde, a educação e as infra-estruturas, impedindo a região de desenvolver o seu verdadeiro potencial.

Os 20 milhões de pobres de Angola ajudam a ilustrar como o FMI trabalha para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco ou… nada.

Nas suas próprias palavras, o FMI está a desempenhar o seu papel. Entre 2020 e 2022, a instituição disponibilizou mais de 50 mil milhões de dólares dos Estados Unidos à região, mais do dobro do montante desembolsado em qualquer década desde os anos 90. Em Março de 2023, o FMI celebrou acordos de concessão de empréstimo com 21 países da região, estando a ser analisados mais pedidos.

A África Subsariana está longe de se encontrar numa situação de impotência. Quatro políticas, de acordos com os fins do FMI, podem ajudar a ultrapassar a actual turbulência:

Consolidar as finanças públicas e reforçar a gestão das finanças públicas; Conter a inflação; Permitir o ajustamento das taxas de câmbio, mitigando os efeitos adversos sobre a economia e Garantir que os esforços importantes para combater as alterações climáticas não colocam em segundo plano o financiamento destinado a sectores essenciais, como a saúde e a educação.

Num contexto de abrandamento mundial, prevê o FMI que o crescimento na África Subsariana desacelere para 3,6% antes de recuperar para 4,2% em 2024, em consonância com uma recuperação mundial, uma descida da inflação e uma redução da restritividade da política monetária, de acordo com as mais recentes perspectivas económicas regionais do FMI para a África Subsariana. Este será o segundo ano consecutivo em que a África Subsariana regista uma taxa de crescimento inferior à do ano anterior.

“O crescimento na região varia de país para país. Alguns países, especialmente os da Comunidade da África Oriental ou países ricos em recursos naturais não petrolíferos, deverão apresentar melhores resultados, mas algumas das principais economias provocam a diminuição da taxa média de crescimento da África Subsariana, como a África do Sul, onde se prevê que o crescimento desacelere acentuadamente para apenas 0,1% em 2023”, afirmou Abebe Aemro Selassie, Director do Departamento de África do FMI.

A dívida pública e a inflação situam-se em níveis que não se verificavam há décadas, com uma inflação de dois dígitos em metade dos países – o que reduz o poder de compra das famílias e prejudica fortemente os mais vulneráveis.

A rápida intensificação da restritividade da política monetária mundial aumentou os custos de financiamento dos países da África Subsariana, tanto nos mercados nacionais como internacionais. Todos os mercados de fronteira da África Subsariana ficaram sem acesso aos mercados financeiros desde a Primavera de 2022. No ano passado, a taxa de câmbio efectiva do dólar atingiu um máximo histórico de 20 anos, o que levou ao aumento dos encargos associados ao serviço da dívida denominada nesta moeda. Os pagamentos de juros em percentagem das receitas duplicaram nos países da África Subsariana ao longo da última década.

Com a redução dos orçamentos da ajuda e menores fluxos de entrada dos parceiros, esta situação está a provocar uma grande contracção do financiamento para a região.

“As populações na África Subsariana estão a sentir os efeitos de uma crise de financiamento. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, o custo de vida é mais elevado, os custos de financiamento aumentaram e o acesso a financiamento mais barato está a tornar-se escasso”, afirmou Abebe Aemro Selassie.

“Associado a um declínio a longo prazo da ajuda e a uma diminuição mais recente do investimento dos parceiros, isto significa que há menos dinheiro para gastar em serviços essenciais como a saúde, a educação e as infra-estruturas. Se não forem tomadas medidas, esta contracção do financiamento prejudicará os esforços da África Subsariana para criar uma população instruída e qualificada e tornar-se a força motriz da economia mundial nos próximos anos”, acrescentou.

O FMI está a desempenhar, diz ele, o seu papel e está pronto a apoiar os seus membros. Entre 2020 e 2022, disponibilizou mais de 50 mil milhões de dólares através de programas, financiamento de emergência e dotação de direitos de saque especiais. Em apenas dois anos, o FMI concedeu mais do dobro do montante desembolsado em qualquer década desde os anos 90. E, em Março, o FMI celebrou acordos de concessão de empréstimo com 21 países da região, estando a ser analisados mais pedidos ao abrigo de programas.

A África Subsariana está longe de se encontrar numa situação de impotência. Para enfrentar os desequilíbrios macroeconómicos, Abebe Aemro Selassie salientou quatro prioridades.

Em primeiro lugar, é importante consolidar as finanças públicas e reforçar a gestão das finanças públicas num contexto de condições de financiamento difíceis. Para tal, as autoridades deverão continuar a mobilizar as receitas públicas, melhorar a gestão dos riscos orçamentais e gerir a dívida de forma mais proactiva. Para os países que necessitam de reformular ou reestruturar a dívida, é imperativo que elaborem um quadro de resolução da dívida eficaz para criar espaço orçamental.

Em segundo lugar, conter a inflação. A política monetária deve ser executada com prudência até que a inflação adopte uma trajectória claramente descendente e as projecções da inflação regressem ao intervalo definido pelo banco central.

Em terceiro, permitir um ajustamento da taxa de câmbio, mitigando simultaneamente os efeitos adversos das depreciações cambiais na economia, tais como o aumento da inflação e da dívida.

E por último, garantir que os esforços importantes para combater as alterações climáticas não colocam em segundo plano o financiamento destinado a sectores essenciais, como a saúde e a educação. O financiamento da acção climática disponibilizado pela comunidade internacional deve somar-se aos actuais fluxos de ajuda.

Folha 8 com Lusa

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